quinta-feira, 5 de julho de 2012

à treva no espelho narciso lançou-se

Mudo de casa. vou sem nada. Lavo minhas roupas, não guardo nenhuma. Desfaço-me dos livros, eu não os abrirei. Desfaço-me dos móveis que estiveram ou estão desfaço-me de todos os mimos e de fazer a comida para mais de um desfaço-me das horas de espera e de todos os relógios auto-entorpecentes desfaço-me do entendimento do impenetrável desfaço-me do peso do homem projetado, meu peito se enche de nada e de si e desfaço-me do pó, do escuro do sujo, da pressão nas minhas artérias, deixo ficar um homem que respira e volto às rimas sonoras e metrificadas, num sentido de métrica que ressona por dentro, sem quadrificar-se pelo lado de fora, desfaço-me das lentes de aumento, e deixo um homem do seu proprio tamanho falam tão baixo as vozes que ecoam de dentro, aquietar-me para ouvir-me, o calor, capaz de espalhar-se por este corpo quente, é uma onda de vibratos tão sutis que a mente gelada é capaz de calar deixo os gumes desta faca acertarem o metal e a madeira do tronco que hiberna, perderem o fio sem cortar a carne enlamearem-se do sangue que não vou derrubar, a casa nova é o peito novo é o novo homem é a armadura do peito nu contra o frio, o calor de dentro só para um bastar-se um, vibrar para si, o espelho de narciso é a porta de perseu são os olhos de helena no espelho, é orfeu na água o trono vazio guardando o manto para nunca mais, minhas mãos são quentes, meus pés e ombros gelados que este calor não alcaçava esperam por um pulso que venha do centro, pés dormentes sobre o chão de vento ombros dormentes sob o chão de chumbo à espera de que acorde quem escolhe o peso, meu calor se propaga com a velocidade das eras, à beira de uma vida para dentro superar o silêncio das bordas ler as cartas como quem lê em sânscrito aquietar-me para ouvir-me descer ao fundo com a luz do sol é o espelho de narciso são os olhos de helena no espelho, descer as cartas como quem colhe lírios, lírios pardos de cores sob a xantofila lírios com as cores de outra vida por séculos colhidos com desdém por hora descorando-se em ouro, o ouro de narciso os olhos de helena na fonte de midas, sileno te recompensará com a vinha quando esta erva nascer e se enrolar por teus braços e cobrir as tuas pernas até que tenhas raízes quando nascer a fruta beber de si mesmo teu corpo será o cálice, o teu receptáculo, beber a si mesmo levar o calor aos pés e aos ombros dormentes que esperam, com a rima dos lírios das cores de dentro. perseu é distante é outra vida narciso matar-se nos olhos de helena é o peito de orfeu que cicatriza é eurídice que vai-se deixando o vazio de onde nascem os mundos. deixando o calor espalhar-se nos corpos, descendo ao submundo e fundindo-se às trevas orfeu sem eurídice é o sol à noite é a treva que precede o dia o termo e a morte de tudo enquanto dorme narciso matar-se helena entrar-se sileno brindar o dia em que os sonhos morreram em paz já sinto as pálpebras se abrirem à frente dos olhos argênteos de uma outra vida além deste sol eurídice vai-se dissolve-se a lira no som que emana das vozes de dentro é perseu, é perseu que desperta é perseu que se levanta é o quente que chega aos fins do mundo ao fim dos corpos aos fins dos anos em que preso vivera nesta casa neste homem nesta metade de um homem, à beira de uma vida para dentro o som do silêncio é branco, os lírios colhidos com as mãos quentes têm as cores dos olhos de helena e narciso têm o cheiro de eurídice quando era viva, sem orfeu eurídice é viva sem eurídice orfeu se levanta não se chama mais orfeu descobrirá seu nome quando todas as idéias se fecharem em ciclos quando chegar o calor aos membros dormentes quando viver para ver-se e soltar-se nos planos de nascer onde houver chão, de pisar onde houver, e o orvalho místico em seu rosto será a sua identidade irrefutável, o círculo dos homens refeito de dentro, um brinde ao novo diôniso, um brinde aos mortos, duas moedas nos meus olhos, que ao hades me lanço com a luz do sol. eu era orfeu e helena e narciso, eu sou o espelho eu sou o começo eu sou o transitório eu sou o vazio de onde nascem os mundos. o santo demônio eu sou o ermo e o próximo eu sou o termo eu sou o fruto e levanto-me à noite porque eu sou beleza da treva que precede o dia.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Vá em paz,
Eurídice.

segunda-feira, 19 de março de 2012

O nervo e a alma

porque não existe limite
para as linhas que eu penso
elas pesam sobre os dedos e eles escrevem
o que querem
ha um nivel de descompasso e incontrole
e entre a alma e o nervo
que deus no homem não despertará
o melhor e o pior de cada vida
a alma no nervo
é o dedo no plástico
é a língua no nada
tentar a fusão
ultrapassar os elétrons
as palavras são de qual das duas
entidades autonomásias